segunda-feira, 19 de abril de 2010

O TEMPO COMO ALIADO DA FELICIDADE

O tempo é o lugar do armazenamento dos acontecimentos, lugar da revelação, onde por meio de toda experiência empírica, diante das realizações e das desesperanças o ser se descobre, “assim, a vida feliz só pode ser alcançada a partir do regresso (redire) à sua própria origem” (ARENDT, 1997, p.69), mediante as experiências vivenciadas.

Ele nos permite sentir, contemplar a humanidade em suas mais diversas esferas, nos permite o sofrimento, a dor, a desilusão, o recomeçar, e o reerguer. Dentro do tempo todas as possibilidades podem acontecer, e todos estes ocorridos nele existentes vão permeando nossa história até que chegue ao seu limite. “Meço o tempo, eu o sei; mas não o futuro, que ainda não existe, nem o presente, porque não tem duração, nem o passado, porque não existe mais. Que meço então? Acaso o tempo que passa, e não o tempo passado como disse acima?” (AGOSTINHO, 2007, p.278)

Porém, o que limita o ser humano no tempo é justamente o tempo que passa, por sua má utilização na construção de sua história, de sua vida significativa. Se ele é tão precioso e dá sentido à vida humana, não pode ser desperdiçado. Geralmente passamos por ele e não o vivemos. Precisamos resgatar seu valor.

Passar por ele é justamente o fato de não estarmos conscientes do que a alma nos solicita. Estar longe da alma, preso aos objetos ou às pessoas, este aprisionamento pelo querer possuir, faz apenas com que passemos pelo tempo, sem recolher o significativo, permitindo que fiquemos apenas com os sentimentos passageiros, não nos fazendo vivenciar e experienciá-lo.

Viver é a experiência do relacionar-se, e dentro do limite humano, ocorrido no tempo, temos a oportunidade de escrevermos nossa história, permitir que as marcas da vida humana sejam registradas na história por meio dos acontecimentos, mas longe do desejo da alma, o que fica é apenas o registro de ter passado pela história e nela não ter acrescentado coisa alguma.

O tempo possui o poder de guardar, de relembrar, e de nos devolver a história. É ele a bússola que nos indica a direção e permite que vida seja aniquilada por meio da negação da liberdade. É deixar de existir, é tê-lo apenas como o lugar da inutilidade, é perder-se.

Conforme AGOSTINHO (2007, p.279) :

De fato, medimos o tempo; mas não o tempo que ainda não existe, nem o que já não existe, nem o que não tem duração alguma, nem o que está passando. Não é, portanto, nem o futuro, nem o passado, nem o presente, nem o que não tem limites que medimos: e, contudo, medimos o tempo.

Se realmente possuímos esse interesse em medir o tempo, é justamente porque o que nele ocorre nos é importante e nos faz mover, nos faz repensar a história e nos reprojeta no presente em direção ao sentido almejado pela alma. Se o mundo possui uma ordem, então o tempo está sobre esta ordem, pois olhar para o tempo é redescobri-se, é repensar o que se faz em busca do que se é.

A história e seus acontecimentos só têm seu significado porque a humanidade constrói o presente que se vive, baseando-se no presente que se passou, reconstruindo o hoje com o que foi significativo, que nos permite dar continuidade, ou analisando o que passou pelo tempo, e no presente evitar o que não foi significativo.

Assim, o papel do tempo sobre o ser humano é fundamental na busca pela vida feliz porque o faz ir ao encontro da alma, por meio do desejo que a alma suscita em ser saciada pelo significativo, pelo que dê sentido à sua existência, pelo que lhe faça sentir ser humano no mundo em que vive. Não teria sentido algum para o ser humano viver sem significado, e o tempo permite que ele interfira em sua história. Quando este vive de forma livre e movido pelo desejo da alma (ser feliz), vai atribuindo valores aos objetos e às pessoas fazendo com que todo movimento tenha real sentido. “A vida constantemente ameaçada pela morte não é vida, uma vez que nunca deixa de correr o risco de perder o que é, aquilo que até sabe que tem de perder um dia.” (ARENDT, 1997, p.19)

Só temos a consciência de sermos ameaçados pela morte, quando tememos perder algo que possuímos e que lhe atribuímos valor, ou seja, passamos tanto tempo de nossa vida preocupados em não perder, que deixamos de viver a vida e toda a superação desta morte que amedronta a vida feliz, se dará quando nos desprendermos de tudo o que retira nossa liberdade. Então passaremos a viver a vida, a construir nossa história no tempo, porque uma vez desprendidos de tudo, inclusive da morte, a única coisa de que iremos nos ocupar é a vida, e a vida feliz, resultado de quem não passou pelo tempo, mas vivenciou no tempo.


REFERÊNCIAS


AGOSTINHO, Santo. Confissões. Tradução: Alex Marins. São Paulo: Editora Martin Claret, 2007. 432 p.

ARENDT, HANNAH. O conceito do amor em Santo Agostinho. Tradução: Alberto Pereira Dinis. Lisboa: Instituto Piaget, 1997. 189 p.


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