sexta-feira, 3 de outubro de 2014

Por falar de amor

Se o amor me leva a adentrar a casa,
por um lado a dor me leva a buscar a chave para sair.

Jesus Aguiar1
Vânia Dantas2



O amor é algo que talvez não possa ser definido, mas que tentamos sentir ou demonstrar por meio de linguagens e gestos. São abraços, palavras, sonhos, flores e presentes que veem em nome dele e que são direcionados para a pessoa em que encontramos o destino, a fim de entregar esse tesouro tão nobre que existe dentro de nós.
Amor que anestesia o tempo, rompe com a cronologia, instaura um tempo eterno onde parece só existir o início, pois ele não termina jamais. Emoções congeladas num sorriso; é o vencedor que serve. O pensamento e a alma se unem e neste espaço sagrado criado e só a pessoa amada nele permanece.
O amor exige uma exclusividade, talvez a nominemos de fidelidade. Queremos um vínculo, uma entrega total entre o amado e a amada. As estrelas são assim roubadas do céu e guardadas no interior do coração, como bem poetizou o grupo Roupa Nova : “Te dou o meu coração / Queria dar o mundo”.
O amor faz com que entreguemos o mundo e também nos entreguemos totalmente ao coração escolhido, para assim nos derramarmos totalmente.
No escrito bíblico (1 João 4,18), o autor sagrado decreta: “O amor lança fora todo o medo”. Certamente esse amor humano, que também é revestido de divindade, não teme as intempéries do tempo presente porque elevou o coração amado a um lugar muito distante das imperfeições e dos limites, numa dimensão salvífica. Revestiu-lhe de proteção, deu-lhe esperança e o assegurou com a segurança que só mesmo o amor pode oferecer.
O amor desvela o próprio núcleo do ser, volve de luz a pessoa amada, e assim não há trevas que possam permanecer perante a sua presença. Amadurece a inteligência, pois reluz a essência divina de onde procede, e assim molda o humano à imagem e semelhança do Eterno, fazendo com que sua própria inteligência eterna norteie os corações de modo a levá-los a se importar apenas com aquilo que não passa. O amor transpassa a matéria pois vê com outros olhos, vê por dentro dos seres as intenções e os limites e tem compaixão pela essência escondida em casa humilde.
O mundo sofre de uma carência, de um vazio. É a ausência do amor que o deixa assim. O mundo necessita de essencialidade, e só o amor pode iluminar tal fato. O coração humano quer amar e ser amado; quando não o assumimos, vivemos o processo da nadificação, existência fútil, estéril. É o indicativo de que precisa haver uma recriação. Só o amor pode criar, porque ele é dinâmico, ele é força, ele permite perscrutar os contrários para deles criar uma dimensão unitiva/construtiva.
Quando o amor aflora, uma nova primavera se inicia: sol brilhando, flores desabrochando, borboletas voando a anunciar que uma nova estação vem; a alegria ocupa o lugar da tristeza, o amor ocupa o espaço até então tomado pelo medo, a terra está fecunda, a vida cresce.
Enfim, o amor faz o ciclo da vida circular, tudo se modifica, a equidade emerge, os sons e a poesia dão brilho preparando o grande protagonista que chega e que encanta a multidão que distante dele caminhava, e que agora nele encontra o seu sentido de harmonia.

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1Graduado em Informática – Universidade de Lins, graduado em Filosofia – Centro Universitário Claretiano, graduado em Teologia – Faculdade Dehoniana -, Pós-graduado em Filosofia Clínica – Instituto Packter -, Pós-graduando em Psicologia/Sexualidade – Uniara.
2Mestre em História Social – Universidade Federal de Uberlândia - UFU, Especialista em Filosofia Clínica - Instituto Packter, Licenciada em Filosofia – UFU. E-mail: vaniamor@hotmail.com.

sexta-feira, 21 de março de 2014

RESSIGNIFICANDO O MUNDO



                                                       1
Jesus Aguiar
Vânia Dantas2

Nosso ser pessoa, além de contemplar aquilo que somos e fazemos, implica também em nos colocar em relação com o mundo. Viver é relacionar. É assim que vivemos, e nesta perspectiva ao longo do existir vai corroborando nossa imagem que temos do mundo, das pessoas, dos objetos que nos circundam.
No cotidiano temos várias imagens do mundo que nos são fornecidas por meio das conversas, da abstração. Alguns representam o mundo como lugar perdido, de pessoas sem uma direção, de um verdadeiro caos no sentido humano. Outros esboçam imagens esperançosas, onde o mundo é visto como belo, pessoas como solidárias, e a humanidade em contínua modificação.
Tais símbolos que trazemos em nosso interior sobre o exterior são meios também que influenciam diretamente nosso jeito de ser. Por vezes, a impressão que temos daquilo que “é de fora”, acaba sendo levado para nossa interioridade trazendo-nos uma verdadeira “indigestão”, nos desestabilizando, provocando um “mal estar”.
Quando nos conscientizamos de tal realidade, é momento de redirecionarmos o nosso posicionamento. Como diz um trecho da canção (Por Enquanto, Renato Russo): “Mudaram as estações, nada mudou, mas eu sei que alguma coisa aconteceu, ta tudo assim, tão diferente...”. A vida nos proporciona novos motivos que nos fazem esquecer realidades passadas e assim mudar o horizonte do nosso poente.
Quais realidades que tem permeado seus dias? É chegado o momento de se adequar a uma nova estação, assim como os ciclos do ano, nossa vida também pede por transformações, abra-se a uma nova realidade....
Há momentos em que a vida é submetida as regras de nosso tempo, vida agitada, trânsito corrido, decisões a serem tomadas, questões familiares a serem resolvidas. Parece que somos absorvidos pelo stress de nossa hodiernidade. Certa vez Jung escreveu: “O autoconhecimento de cada indivíduo, a volta do ser humano às suas origens, ao seu próprio ser e à sua verdade individual e social, eis o começo da cura da cegueira que domina o mundo de hoje”3.
São tantas e tantas situações que parecemos ser absorvidos pela exterioridade, é como se o mundo nos pegasse de nosso interior e nos colocasse em outro lugar, um lugar no qual nós não nos sentimos bem, pois não é a nossa casa, não é o lugar de nossa intimidade. E a partir daí, começamos a sofrer as nossas inadequações, nos vem o medo, a insegurança, a tristeza, até mesmo algumas enfermidades provenientes deste entristecimento por não estarmos no lugar que gostaríamos. Numa outra citação, Jung diz: “Como vemos, ambas as teorias [a de Freud e a de Adler] de que falamos tem em comum o fato de desvendarem impiedosamente o lado sombrio do homem. São teorias, ou melhor, hipóteses que nos explicam em que consiste o fator que provocou a doença. Logo, tratam não dos valores de uma pessoa, mas dos seus contravalores, que sempre perturbam ao se manifestarem”4. Ou seja, muitas vezes não sabemos gerenciar os nossos contrários, aquilo que nos propõe um “desprazer”.
O lado ruim existe! Não dá pra ficar apenas jogando-o abaixo do tapete, indefinidamente. Logo estaríamos vivendo sobre contêineres de lixo.
A vida automática por vezes nos faz esquecer de nós mesmos, dos nossos sonhos, das nossas qualidades, afinal fomos sequestrados do lugar onde mais gostamos de estar, e é nessa conscientização, no perceber que estamos aprisionados, que precisamos “bolar” um plano para sair daquilo que aos poucos vai nos matando.
Sempre é tempo de recomeçar, mesmo na dor. É preciso olhar para o lugar que nos rememora esperança e aí encontrar forças para rompermos os grilhões que nos aprisionam, nos recompormos, e então iniciarmos o processo de retorno para casa. Viver é sempre um processo de voltarmos ao lugar onde somos refeitos, onde somos novamente gerados na esperança, nos sonhos, na alegria. Esqueceu que lugar é esse? Vamos cria-lo na mente, vamos eleger o melhor para si mesmo; precisamos de modelos de bem-viver, precisamos de ideias para nos reinventar e mentalizar um paraíso mais digno, conforme nossa evolução.
O mundo pode ser modificado à medida que eu me modifico, que eu vejo o de fora de uma nova maneira, à medida que encontro forças para dar a ele uma nova moldura, uma nova pintura. Pinte o universo exterior com cores vivas, com cores que emergem de sua vida, viva de maneira renovada.
Uma vida renovada é uma vida que foi encontrada, é entrar em contato com o mais profundo de si, com o próprio Deus. Nesse sentido, Hannah Arendt escreveu: “o bem ao qual o amor aspira é a vida, e o mal que o medo afasta é a morte. A vida feliz é a vida que não pode ser perdida”5.
Muitos relatam essa experiência do reencontrar-se consigo, com Deus. E neste momento descobrimos que o mundo não está contra mim, mas fui capaz de reconciliá-lo, porque antes me encontrei comigo mesmo. É a experiência que fez Agostinho de Hipona: “Tu me chamaste, gritaste por mim, e venceste minha surdez. Brilhaste, e teu esplendor afugentou minha cegueira. Exalaste teu perfume: respirei-o, e suspiro por ti. Eu te saboreei, e agora tenho fome e sede de ti. Tocaste-me, e o desejo de tua paz me inflama”6.
Há uma reconfiguração em todo nosso ser pessoa, distribuído entre “espiritualidade, emoção e corpo”, tudo se integra e nos leva a uma harmonia. E passamos a ver a importância que existe no mundo que chamamos irracional ou “inconsciente”, no sentido de percebermos que não somos apenas racionais, também há outras várias dimensões em nós. É como disse Jung: “acho mais sábio reconhecer conscientemente a ideia de Deus; caso contrário, outra coisa fica em seu lugar, em geral uma coisa sem importância ou uma asneira qualquer - invenções de consciências 'esclarecidas'”7.

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1Graduado em Informática – Universidade de Lins, graduado em Filosofia – Centro Universitário Claretiano, graduado em Teologia – Faculdade Dehoniana -, Pós-graduado em Filosofia Clínica – Instituto Packter -, Pós-graduando em Psicologia/Sexualidade – Uniara.
2Mestre em História Social – Universidade Federal de Uberlândia - UFU, Especialista em Filosofia Clínica - Instituto Packter, Licenciada em Filosofia – UFU. E-mail: vaniamor@hotmail.com.
3JUNG, C.G. Psicologia do Inconsciente. Tradução: Maria Luiza Appy. 3ªed. Vozes. Petrópolis, 1983, Prefácio do autor em relação à 2ªed.
4C.G JUNG, Psicologia do Inconsciente, 3ªed. Vozes, 1983, p. 39.
5ARENDT, HANNAH. O Conceito de Amor em Santo Agostinho. Lisboa: Editora Piaget, 1997. p. 19
6 AGOSTINHO. Confissões. XXVII. Tradução: Alex Marins. São Paulo: Martin Claret, 2007.
7C.G JUNG, Psicologia do Inconsciente, 3ªed. Vozes, 1983, p. 63.