domingo, 26 de setembro de 2010

A IGREJA E SUA MISSÃO


A Igreja ao longo dos séculos é transmissora da Palavra de Jesus Cristo, uma Palavra que ultrapassa os limites da razão, sem nos retirar da realidade, e insere no coração de cada homem e de cada mulher a “boa notícia”, capaz guiar e sustentar a humanidade, mesmo nos momentos mais adversos.

Neste mundo de hoje é crescente uma visão tecnicista, reducionista da pessoa humana, um pensamento utilitarista, em que o valor do ser humano está no que ele pode oferecer e não no que ele é (filho de Deus). A proposta da Igreja enquanto instituição mantenedora do depósito da fé, é de fazer ecoar no mundo as palavras do Cristo: “Ide pelo mundo inteiro, proclamai o Evangelho a todas as criaturas” (Mc 16,15).

Todo a humanidade está em busca da realização, da vida feliz, mas toda busca mal orientada tem o seu foco perdido, frustrado. É em Jesus de Nazaré que encontramos sentido para a nossa existência. O saudoso papa João Paulo II em sua Carta Encíclica “Fides et Ratio” parágrafo nº 99 escreve: “Na Igreja, o trabalho teológico está primariamente, a serviço do anúncio da fé e da catequese. O anúncio, ou querigma, chama à conversão, propondo a verdade de Cristo que tem o seu ponto culminante no Mistério Pascal: na verdade, só em Cristo é possível conhecer a plenitude da verdade que salva (cf.At 4,12; 1Tm 2,4-6)”.

O encontro com a pessoa de Jesus nos fascina, nos projeta, nos eleva. Nossa religião enquanto formadora e educadora, nos apresenta um Deus presente, mas ao mesmo tempo escondido dentro de nossos corações, não é um deus de fábulas ou de contos, mas ao contrário, um Deus uno e trino, que se revelou na história humana, por meio de seu Filho amado, Jesus, que nos apresentou o Pai e nos enviou o Espírito Santo. “Se me amais, observeis os meus mandamentos; quanto a mim, eu rogarei ao Pai, e ele vos dará um outro Paráclito, que permanecerá convosco para sempre” (Jo 14,15).

Nas palavras do teólogo galego Andrés Torres Queiruga, “a cruz não tem a última palavra, uma vez que desemboca na ressurreição”. Assim, os desafios e os limites da vida não possuem em si o definitivo, são apenas momentos pertencentes ao tempo, e tudo o que é temporal é passageiro. Durante a vida encontramos muitas dificuldades, passamos por situações de sofrimento, perda, medo, insegurança; tais acontecimentos são próprios de nossa fragilidade humana, mas quando estamos unidos a Deus, seja pela oração, pelos sacramentos, eis que o Espírito nos fortifica, nos forma, nos educa, nos conduz, e então somos capazes de enxergar as realidades de maneira nova, “é como está escrito: Coisas que os olhos não viram, nem os ouvidos ouviram, nem o coração humano imaginou (Is 64,4), tais são os bens que Deus tem preparado para aqueles que o amam” (I Cor 2,9).

Portanto, a Igreja para além de um lugar de oração é também lugar de formação, de missão, e quer ajudar os seres humanos a se descobrirem e a conhecerem o verdadeiro Deus, que “tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até o fim” Jo 13,1.

terça-feira, 21 de setembro de 2010

A MISSÃO DO SER HUMANO: DESCOBRIR-SE

O ser humano é um ser inacabado, que mediante a própria existência vai se edificando, escreve sua própria história, e almeja por sua felicidade.

O pessoa humana é relacional, somos seres de relação, precisamos do outro (alteridade) na construção da nossa personalidade, mas não podemos permitir que nossa história seja apenas sobre outro, fazendo-nos perder a identidade, as vezes faz-se necessário tomar as rédeas da própria vida neste processo de descobrimento. Para o filósofo Sêneca, “é preciso atentar para não seguir tal como ovelha o rebanho à frente porque, não sabendo para onde ir, vai para onde as outras se dirigem. Realmente, nada mais pernicioso que se adequar à opinião pública, tendo por mais acertado o que é consensual. Como atestam numerosos exemplos, acontece findar vivendo não de acordo com a razão e, sim, imitando aos outros1.

Há em nós uma procura pela verdade, queremos ir além das nossas realidades, é um desejo. No pano de fundo, buscamos a vida e nos afastamos da morte. Em nosso cotidiano nos deparamos com situações que ora nos vivificam e ora nos matam. Segundo Hannah, “o bem ao qual o amor aspira é a vida, e o mal que o medo afasta é a morte. A vida feliz é a vida que não pode ser perdida2.

O Conhecer-se dá-se a partir do momento em que permitimos que o amor inunde a realidade do nosso ser, levando-nos a compreender o que somos em nossa singularidade e na compreensão do que o outro é, amando o ser humano em sua totalidade (limites e virtudes), essa aceitação torna-nos compreensíveis. Arendt diz que “o amor ao próximo é, pois a realização concreta da relação retrospectiva para além do mundo, e, ao mesmo tempo, empurra o outro para fora do mundo, para que ele veja o sentido do seu ser. Como sugere a identidade entre ser e ser eterno, ele ama o outro não como alguém que vai morrer (moriturus) mas ama nele aquilo que é eterno, a sua origem apropriada3.

Quando o amor vai se desvelando em nosso existir, eis que contemplamos o que somos na mais pura intimidade e interioridade, e somos conduzidos à verdade acerca de nós mesmos. Santo Agostinho assim descreve: “Talvez por amarem a verdade de tal modo que tudo de diferente que amam, querem que seja verdade, e, não admitindo ser enganados, também não querem ser convencidos de seu erro. Desse modo, detestam a verdade por amarem aquilo que tomam pela verdade”4.

Portanto, sejamos missionários a adentrarmos o mais profundo do nosso interior, para assim descobrirmos as insondáveis riquezas do nosso ser, encontraremos lá a força necessária para nortear nossa existência, levando-nos a reconciliar e unir, com o outro e com o mundo. Viver é descobrir-se.

1SÊNECA. A vida Feliz. Coleção Grandes Obras do Pensamento Universal – 43. Tradução: Luiz Feracine. São Paulo: Editora Escala, 2006. p.32

2 ARENDT, HANNAH. O Conceito de Amor em Santo Agostinho. Lisboa: Editora Piaget, 1997. p. 19

3 Ibid., p.117

4SANTO AGOSTINHO. Confissões. Tradução: Alex Marins. São Paulo: Martin Claret. 2007. p.233

terça-feira, 7 de setembro de 2010

A BÍBLIA E A HUMANIDADE


A Bíblia reúne histórias da vida do povo judeu, pessoas que viveram dificuldades, como nós, uma vez que viver implica em esbarrar-se nos limites que são próprios do humano. Quando nossa humanidade acolhe e ouve a voz de Deus, que ressoa em nosso íntimo, então somos capazes de viver como os profetas, que traduziram na vida o que acolheram em seus corações.

No Antigo Testamento temos a busca da terra, apoiados na certeza de uma promessa de Deus para o seu povo. Encontramos a sensibilidade de alguns que colaboraram com Deus, afim de promoverem a vida, de estar ao lado dos que mais necessitavam. Da mesma maneira, o mundo pós-moderno carece ser livre de uma escravidão secularista, neoliberal, individualista, que oprime a tantas pessoas, o que corrobora para a morte, esta é a realidade que enfrentamos hoje.

No Novo Testamento, a promessa que antes tivera sido anunciada ao longo do Antigo Testamento - que externava a libertação do povo -, se revela em Jesus de Nazaré. O que antes era Palavra, agora se torna carne, se torna pessoa como nós, exceto no pecado. Em Jesus encontramos a plenitude do amor. Um amor que foi capaz de vencer o mal e que desperta no coração dos seres humanos aquilo que eles ainda podem ser, quando abandonam o orgulho e se tornam obedientes ao cumprimento da verdadeira lei, uma lei que não está escrita em tábuas e nem em pedras, mas no coração, esta lei é o amor, que nos conduz a ter e a promover a vida em abundância. Quando entendemos e acolhemos o Reino de Deus, que nos fora relevado em Jesus de Nazaré, nossa vida é transfigurada e nos tornamos capazes - à luz de seus ensinamentos -, de iluminar toda a realidade humana. Nele conseguimos vencer o egoísmo, a indiferença, o desamor e principalmente a injustiça.

A Bíblia, ao logo do tempo, foi vista por muitas pessoas de maneira fundamentalista, ou seja, através de uma leitura “ao pé da letra”. Durante a história esse olhar errôneo causou um equívoco em relação a nossa imagem de Deus, tal consequência implicou num mal relacionamento entre Deus e a humanidade. Hoje, a Igreja com a ajuda das ciências humanas, de novos métodos de interpretação, colaboram na compreensão sobre quem é Deus e quem é o humano. Essa compreensão da identidade sobre quem é o homem e quem é Deus, restaura um relacionamento que foi desfigurado ao longo dos séculos, e recria a vida em nós e reergue um mundo novo.

Portanto, deixar-se mover por Deus através das Escrituras, contribui para o objetivo de todo ser humano, que é viver de maneira plena. Nele a humanidade é preenchida, encontra sentido e significado para sua existência, pois todo ser humano é vocacionado ao amor e fora do amor a realização é inexistente. Que escrevamos nossa história no amor e para o amor, tendo um estimado valor pela Bíblia, que nos ajuda na caminhada rumo a civilização do amor.


SOBRE A POLÍTICA

A política está presente dentro do contexto da formação da pólis, da sociedade, e possui uma dimensão organizacional, de buscar a ordem e o bem comum. Tem em sua essência a finalidade de propor um espaço melhor, onde os cidadãos possam viver bem.

A história da política vem de longa data, para Platão – filósofo grego, em sua obra “A República” – os que deveriam governar seriam os sábios, uma vez que estes abriam-se ao saber, sendo assim, a política deveria ser governada por alguns, uma vez que nem todos buscavam a verdade (através do bem, do belo e da justiça). Os sofistas, que tinham a arte de falar bem, cobravam para representar “seus clientes” ou para ensinar-lhes a arte da retórica, que consistia no convencimento sobre algo, por meio da contra-argumentação. Ao contrário, a filosofia platônica queria levar as pessoas a prática da justiça por meio da busca pela verdade, uma herança de seu mestre Sócrates, que dizia que os ignorantes não se conhecem, e por isso agem erroneamente.

Talvez o grande embate aqui esteja entre os objetivos: Para Platão e Aristóteles – a formação do homem consistia na busca pela verdade, pelo belo, pelo bem, pela justiça, pelos valores, por uma ética e moral para todos, apesar de se divergirem sobre alguns pensamentos. Os sofistas - pensavam que cada um deveria buscar a sua própria liberdade -. Para Protágoras, grande sofista, “o homem é a medida de todas as coisas”. Segundo JAEGER, “os sofistas são, com efeito, as individualidades mais representativas de uma época que na sua totalidade tende para o individualismo.”.1

Hannah Arendt, grande pensadora de nossa era contemporânea, ao falar de Aristóteles, citando um trecho do livro Ética a Nicômaco diz: “Ninguém escolheria viver sem amigos, ainda que possuísse todos os outros bens”.2Para Aristóteles, a amizade é mais elevada que a justiça, porque esta já não é necessária entre amigos”.3 Pensava ARENDT, que “esse tipo de compreensão – ver o mundo (como dizemos hoje corriqueiramente), do ponto de vista do outro – é uma percepção política por excelência.4

Conscientizar a humanidade, é o início para uma boa política, a política é positiva, quando há pessoas comprometidas, assim é capaz de produzir bons frutos para a sociedade, é por meio dela que conseguimos modificar nossas realidades. Se faz necessário em nossos dias um despertar para o “pensar”, pois nossa humanidade move-se através do “fazer sem pensar”, e isso implica em muitas consequências que são prejudiciais a todos nós.

A aprovação do projeto “ficha limpa”, foi uma demonstração de que quando pensamos juntos (revendo nossa realidade e fazendo uma crítica a ela), então agimos de maneira correta em vista do bem comum, no intuito de esperarmos candidatos que ao menos se preocupem com o povo e assim colaborem com nossas cidades, estados e com o nosso país.

Portanto, exercitar a arte do pensar-(ser), gera em nós mais do que um crescimento intelectual, pois ajuda-nos a viver um processo de alteridade, interação social, contribuindo para uma política onde todos sejam beneficiados e por uma sociedade mais responsável com o meio.

1JAEGER, Werner Wilhelm. Paidéia: A formação do homem grego. Tradução: Artur M.Parreira. São Paulo: Martins Fontes, 2003. p.347.

2ARENDT, Hannah. A Promessa da Política. Tradução: Pedro Jorgense Jr. Rio de Janeiro: Difel, 2008. p.59

3Ibidem, p.59

4Ibidem, p.60