sábado, 24 de abril de 2010

A LIBERDADE COMO CAMINHO PARA A ALMA

Como mencionamos nas postagens anteriores sobre o conhecer e o relacionar, o homem se conhece e, conhecendo-se, cria um relacionamento entre os objetos e as pessoas. Este processo natural do conhecimento e do relacionar-se tem fundamental importância na construção do que chamamos liberdade, pois estão intimamente ligados; é semelhante o açúcar e o limão no objetivo de se obter a limonada, sem um dos dois não será possível se obter o que se espera.

Partindo desta idéia, podemos pensar a liberdade conquistada por meio de nossas escolhas, de nossas decisões, que tende a nos tornar livres, mas livres do que? Livres de um relacionamento que, ao invés de nos aprisionar, tende a nos mover para além do objeto, além das pessoas, que nos faz encontrar com a alma.

É na alma que encontramos nossa liberdade. Não é possível ser livre fora da alma, uma vez que é nela que está a nossa essencialidade; estar fora dela é estar na superficialidade, no efêmero, é fugir de nós mesmos, enquanto que ao procurarmos o retorno a ela, encontrar-nos-emos, realizar-nos-emos e nos satisfaremos tornando-nos livres.

Platão já havia falado sobre essa realidade, quando conta a alegoria da caverna: “a caverna corresponde ao mundo do visível e o Sol é o fogo cuja luz se projeta dentro dela. A ascensão para o alto e a contemplação do mundo superior é o símbolo do caminho da alma em direção ao mundo inteligível” (JAEGER, 2003, p.885)

A busca por esta liberdade está presente na vida de todos os seres humanos. Somos seres que desejamos, que buscamos, que queremos, mas todas estas vontades só possuem significado quando nos remetem à liberdade, pois não estamos satisfeitos quando estamos aprisionados. É lícito pensar que um prisioneiro acorrentado desejaria ter as suas algemas retiradas para que pudesse ter seus próprios movimentos, fazer o que desejaria, quando na verdade não pode agir em virtude de estar preso.

Neste sentido, estamos buscando esta liberdade, que nos torna capazes de irmos além, de transcendermos dentro do tempo. A todo instante estamos almejando a liberdade, mesmo que seja nas pequenas coisas, mas o que nos impede de alcançá-la é a impossibilidade de nos mover.

Como na alegoria da caverna, é somente pela atitude de ir além que garantiremos a força necessária para rompermos com as correntes e contemplarmos uma realidade que existe, mas que não é real porque não nos movemos, preferimos ficar acomodados. Precisamos ser como crianças: uma criança quando deseja algo, é capaz de utilizar suas capacidades físicas e emocionais para conseguir o que quer.

ARENDT (1997, p. 39-40) escreve de maneira profunda o caminho da liberdade:

O mundo é compreendido a partir desta liberdade à qual se aspira e que é efectiva na caridade. A relação com o mundo é uma relação de uso, uso livre, que não depende do mundo. Tomada nesta estrutura do por-amor-de (propter), a sua significação só se mantém nesta finalidade do uso.

Quando a liberdade ocorre no sujeito, na alma, o mundo que então era capaz de aprisionar a alma ao objeto ou a outras pessoas, passa a ser agora apenas o lugar da revelação, onde a alma livre de todas as prisões exteriores é capaz de ir além, de estar livre.

Estando a alma livre e desimpedida, ela é capaz de descansar, voltar a ser o que sempre desejou ser, pois o processo de ser o que é, requer muita determinação, é um processo de reordenar o mundo que se vê e em que se vive.

Conforme SCHOPENHAUER (2007, p.11), este nos descreve:

Aquele que conhece todo o resto, sem ser ele mesmo conhecido, é o sujeito. Por conseguinte, o sujeito é o substratum do mundo, a condição invariável, sempre subentendida de todo fenômeno, de todo objeto, visto que tudo o que existe, existe apenas para o sujeito.


Tendo a alma alcançado o que sempre buscou, a liberdade de não estar aprisionada ao objeto, mas de ser o que ela é, lança, assim, o sujeito a ver o mundo e a viver nele como ser que faz parte dele e não como um escravo. Levando em consideração o que Schopenhauer disse: “tudo o que existe, existe para o sujeito”.

Não teria finalidade o mundo, não teria sentido a vida humana, se esta fosse aprisionada até o seu entardecer, mas ao tornar-se livre desse mundo contemplando-o como lugar da revelação, onde o ser se conhece e conhece as coisas que fazem parte dele, e em harmonia vivenciar as virtudes existentes na alma, o caminho para a vida feliz se abre e a realização do ser humano acontece.

REFERÊNCIAS


SCHOPENHAUER, Arthur. O mundo como vontade e representação. Tradução: M.F. Sá Correia. 1. Ed. Rio de Janeiro: Contraponto Editora, 2007. 431 p.

ARENDT, HANNAH. O conceito do amor em Santo Agostinho. Tradução: Alberto Pereira Dinis. Lisboa: Instituto Piaget, 1997. 189 p.

JAEGER, Werner. Paidéia. A formação do homem grego. Tradução: Arthur M.Parreira. 4. Ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003. 1413 p.

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