sexta-feira, 4 de maio de 2012

Expressividade: encontrando a beleza do ser e do viver



Autores: Jesus de Aguiar Silva1
  Vânia Dantas2


Olhamos o mundo a nossa volta e descobrimos que vivemos uma constantemente relação de interdependência com tudo o que existe, e certamente percebemos que nossas maiores intersecções se referem à vida humana. A influência do outro em nossa vida, e também nossa influência naqueles que nos são próximos permite-nos pensar: aonde está a essencialidade da vida humana? Escondida em nosso ser ou desvelada? Por vezes, mediante aos fardos que nos são impostos, permanecemos longe de tudo, em nosso mais profundo interior, mas quando encontramos mãos que nos acolhem, palavras que nos elevam, nosso coração entra em consonância com a bondade emanada e então nos sentimos seguros, e então somos capazes de armar nossa tenda e ali depositar tudo o que trazemos em nossa bagagem.
Certamente buscamos um solo seguro, para podermos firmar nossas raízes, e ali permitirmos que nossa força vital – eros aconteça de maneira a nos fazer transcender, a nos elevar, a permitir que nosso intelecto releve a nossa mais profunda condição: sermos humanos. Essa força quando se estabelece é capaz de lançar fora tudo o que provém da falsa ilusão da vida que nos leva a morte – thanatos –. A expressividade consigo e para os outros alcança seu ápice quando encontramos um recíproco doar-se. Quando há essa entrega no sentido mais profundo de se visar o bem alheio, então contemplamos a dignidade humana. Assim, enxergamos sem aprisionar, aprendemos a proporcionar liberdade, conseguimos assistir ao espetáculo que é o outro com suas escolhas e tormentos, nos quais nem sempre podemos influir, pois cada um tem sua estrada. Conviver com o outro sem torná-lo bode expiatório de todas as nossas mazelas é, sem dúvida, o grande desafio para as relações.
O poeta Renato Russo tinha razão quando escreveu em uma de suas canções: “Não quero lembrar, que eu erro também”. O medo de se deparar com nossa realidade que ainda não foi modificada causa-nos angústia. E assim, os seres humanos, pela falta de coragem de se verem, acabam se acomodando, e com medo de mudar suas realidades, preferem convencer que os outros e o mundo estão errados, à iniciativa de sua própria mudança. De novo, Renato: “Todos se afastam quando o mundo está errado/ quando o que temos é um catálogo de erros/ quando precisamos de carinho, força e cuidado.”
Encontrar a beleza de ser e de viver talvez estejam no diálogo sincero consigo mesmo, ter a coragem de se criticar, no intuito de buscar uma obra escondida tal qual faz o artista. Essa atitude nos permite retirar nossos excessos como o que é tirado da pedra bruta, e assim conseguimos olhar a nós e a humanidade com um olhar mais estético, vendo a beleza escondida e prefigurada na pessoa alheia.
Portanto, ser e viver conjugam-se à medida que retiramos o medo e damos lugar à liberdade; a história é o grande espaço onde temos a oportunidade de nos desvelarmos ou de nos fecharmos. Ser humano é conscientizar-se de que a perfeição não existe, o que há são esforços que fazemos mediante nossas escolhas sobre aquilo que é bom mediante nossos juízos, mas lembremo-nos de que o grande critério que deve nos nortear é a vida, uma vez que o ser humano, por mais que não queira, está fadado à morte, e o seu olhar sobre a vida é que dá sentido e esperança à sua existência.


1Graduado em Informática – Universidade de Lins, graduado em Filosofia – Centro Universitário Claretiano, graduando em Teologia – Faculdade Dehoniana -, pós-graduando em Filosofia Clínica – Instituto Packter -.

2Mestre em História Social – Universidade Federal de Uberlândia - UFU, Especialista em Filosofia Clínica - Instituto Packter, Licenciada em Filosofia – UFU. E-mail: vaniamor@hotmail.com.

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

A Porta da fé – (2012 - 2013) Ano da Fé -


Sobre a Carta Apostólica – Sobre forma de Motu Próprio – Porta Fidei – Sumo Pontífice Bento XVI -

A Porta da fé – (2012 - 2013) Ano da Fé -

Desde os primórdios, a partir do momento que o homem toma consciência de si, de seu pensar, consequentemente tornou-se um ser que se projeta, um ser que espera, que acredita. Ao longo da história da humanidade, através de um processo de autoconsciência sobre si e sobre as realidades que o cercam, o ser humano tendeu apenas para o empírico, prático, e acabou deixando de lado aspectos reais, que não são empíricos, e preferiu negar sua ambiência interna. Parece ter ocorrido um aniquilamento do ser pensante, em vista do homem instintual, que não precisa dos valores para viver em sociedade, e assim consequentemente chegamos a humanidade hodierna, em que percebemos tantos avanços científicos e um regresso na dignidade humana, uma banalização do ser humano.
Quantas problemáticas em nosso mundo pós-moderno: a perda do sentido existencial, jovens perdendo-se nas drogas, a competitividade empresarial, a economia mundial em crise, o esfacelamento familiar, a perda de identidade, a falta de referencial, a destruição da natureza, a perda de valores, realmente estamos passamos por um grande caos.
A fé a partir da ótica cristã, nos possibilita uma nova vida, vida esta renascida em Cristo, que tem como missão reconfigurar a humanidade ao amor original, perdido por meio do pecado das origens, que desfigurou a imagem e semelhança de Deus em nós. Assim, “professar a fé na Trindade – Pai, Filho e Espírito Santo – equivale a crer num só Deus que é Amor (cf. 1 Jo 4,8): o Pai, que na plenitude dos tempos enviou seu Filho para a nossa salvação; Jesus Cristo, que redimiu o mundo no mistério de sua morte e ressurreição; o Espírito Santo, que guia a Igreja através dos séculos enquanto aguarda o regresso glorioso do Senhor” (PF 1)1.
Como vemos, Deus a todo momento que ajudar o homem a ser feliz, em nossa contemporaneidade vemos uma humanidade carente, fragilizada, sem referencial. Buscamos um mundo de realizações e não aceitamos o sofrimento, precisamos nos recordar que o Ressuscitado é o Crucificado, o amor (glória) acaba passando pelo sofrimento (calvário), não há como fugirmos de nossa condição humana pois está ligada ao chronos. Acabamos nos afastando da fonte que nos sacia (Deus que é amor), mas é possível perceber que ao manifestarmos nosso desejo e abertura a este Amor eterno somos ressignificados e transformados por sua força. “Devemos readquirir o gosto de nos alimentarmos da Palavra de Deus, transmitida fielmente pela Igreja, e do Pão da vida, oferecidos como sustento de quantos são seus discípulos (cf. Jo 6,51). De fato, em nossos dias ressoa ainda, com a mesma força, este ensinamento de Jesus: « Trabalhai, não pelo alimento que desaparece, mas pelo alimento que perdura e dá a vida eterna» (Jo 6,27). Por isso, crer em Jesus Cristo é o caminho para se poder chegar definitivamente à salvação” (PF 3)2.
Se faz necessário em nossos tempos tomarmos consciência de que a fé é dom de Deus para o ser humano, que para além de fortalecer nossa relação com Deus, também nos ajuda na ampliação da compreensão humana; assim ela nos é necessária para que saibamos subsistir num mundo perpassado por uma mentalidade utilitarista e permite-nos resgatar o valor da pessoa humana, promovendo o respeito, a dignidade e a vida. “A «fé que atua pelo amor» (Gl 5,6), torna-se um novo critério de entendimento e de ação, que muda toda a vida do homem (cf. Rm 12,2; Cl 3,9-10; Ef 4,20-29; 2 Cor 5,17)” (PF 6)3.
Uma nova evangelização se faz necessária, e para tanto precisamos realmente fazer a experiência dos primeiros cristãos que se entregavam inteiramente à fé, não numa superficialidade ou uma representação social que visasse interesses, mas consistia concretamente na entrega, na doação que transforma integralmente o ser humano. “Com efeito, a fé cresce quando é vivida como experiência de um amor recebido e é comunicada como experiência de graça e de alegria. […] abre o coração e a mente dos ouvintes para acolherem o convite do Senhor a aderir à sua Palavra a fim de se tornarem seus discípulos. […] um patrimônio de riqueza incomparável e consentem ainda que tantas pessoas à procura de Deus encontrem o justo percurso para chegar à «porta da fé»” (PF 7)4.
“Só acreditando é que a fé cresce e se revigora; não há outra possibilidade de adquirir certeza sobre a própria vida, senão abandonar-se progressivamente nas mãos de um amor que se experimenta cada vez maior porque tem a sua origem em Deus” (PF 7)5. A fé neste Amor que não passa emerge do interior para o exterior, e nos faz descobrir o sentido da existência, e nos direciona ao caminho correto, fazendo-nos refletir a luz que vem de Deus, Sumo Bem, é esta força que nos sustenta e motiva o ser humano a enxergar para além de sua limitação a bondade de Deus que perpassa o mundo, através do amor revelado em Jesus de Nazaré. “O coração indica que o primeiro ato, pelo qual se chega à fé, é dom de Deus e ação da graça que age e transforma a pessoa até ao mais íntimo dela mesma” (PF 10)6.
Dessa forma, a fé não se restringe a uma ambiência interna do ser humano, mas o provoca a exprimir sua fé na vida práxis, “o professar com a boca indica que a fé implica um testemunho e um compromisso público. A fé é decidir estar com o Senhor, para viver com Ele. A fé, precisamente porque é um ato da liberdade, exige também assumir a responsabilidade social daquilo que se acredita” (PF 10)7.
Por meio da fé muitos tiveram as suas vidas transformadas e também transformaram as realidades existentes em sua época, “pela fé, Maria acolheu a palavra do Anjo e acreditou no anúncio de que seria Mãe de Deus na obediência da sua dedicação (cf. Lc 1,38). Com fé, Maria saboreou os frutos da ressurreição de Jesus e, conservando no coração a memória de tudo (cf. Lc 2,19.51). Pela fé, os Apóstolos deixaram tudo para seguir o Mestre (cf. Mc 10,28). Pela fé, foram pelo mundo inteiro, obedecendo ao mandato de levar o Evangelho a toda a criatura (cf. Mc 16,15) […]. Pela fé, os mártires deram a sua vida para testemunhar a verdade do Evangelho que os transformara, tornando-os capazes de chegar até ao dom maior do amor com o perdão dos seus próprios perseguidores. Pela fé, muitos cristãos se fizeram promotores de uma ação em prol da justiça, para tornar palpável a palavra do Senhor, que veio anunciar a libertação da opressão e um ano de graça para todos (cf. Lc 4,18-19)” (PF 13)8.
Portanto, hoje, todas as pessoas de boa vontade são convidadas a assumirem esse projeto inaugurado por Jesus e que convida a uma transformação interior e exterior. Em Cristo, Palavra viva, somos capazes de escrever uma nova humanidade através de uma intensificação do “testemunho da caridade [...]. A fé sem a caridade não dá fruto, e a caridade seria um sentimento constantemente à mercê da dúvida. Sustentados pela fé, olhamos com esperança o nosso serviço no mundo, aguardando «novos céus e uma nova terra, onde habite a justiça» (2 Ped 3,13; cf. Ap 21,1).” (PF 14)9. A fé nos regenera, nos reconcilia com a vida, com a história, traz esperança e almeja a justiça. “A fé obriga cada um de nós a tornar-se sinal vivo da presença do Ressuscitado no mundo” (PF 15)10. Assim, diante de tantas problemáticas atuais que corroboram para a degradação do ser humano, saibamos abraçar a fé e fortalecidos pelo Senhor sejamos discípulos missionários comprometidos, de modo que testemunhemos no mundo a fé traduzida em caridade, afim de que construamos uma sociedade de justiça onde reine a paz, a fraternidade e o amor.



1BENTO XVI. Carta ApostólicaPorta Fidei. Disponível em: <http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/motu_proprio/documents/hf_ben-xvi_motu-proprio_20111011_porta-fidei_po.html> acesso em: 26/11/2011, § 1.
2Ibid., § 3
3Ibid.,§ 6.
4Ibid.,§ 7.
5Ibid.,§ 7.
6Ibid.,§ 10.
7Ibid.,§ 10.
8Ibid.,§ 13.
9Ibid.,§ 14.
10Ibid.,§ 15.

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

“CONVERTEI-VOS E CREDE NO EVANGELHO” Mc 1,15



A proposta apresentada por Jesus consiste em dois momentos fortes, o primeiro a mudança de pensamento – metanóia –, e o segundo crer em sua Palavra.

Diante do aspecto da transformação, que nominamos de arrependimento e conversão, é nos feito um convite de mudarmos nossas atitudes, nossa maneira de proceder, e para além de tal mudança somos convidados a aderir a uma nova forma de viver – reconfigurar nossa vontade à de Cristo -, seguindo por outro caminho, este caminho é o caminho do Senhor (anunciado por João Batista), é o projeto do Reino de Deus, que se traduz em justiça, solidariedade e amor. Esse novo estilo de vida foi vivenciado pela comunidade dos discípulos de Jesus, por Paulo e pelos seguidores de Cristo. Podemos traduzir essa nova maneira de viver em Cristo como vida no Espírito. Paulo mediante seu processo de adesão à Cristo compreende que “foi ele quem nos tornou aptos para sermos ministros de uma Aliança nova, não da letra, e sim do Espírito, pois a letra mata, mas o Espírito comunica a vida” (I Cor 3,6).

Jesus rompe com um sistema baseado em leis que apenas impunha fardos pesados sobre os mais fracos, “o ladrão vem só para roubar, matar e destruir. Eu vim para que todos tenham a vida e a tenham em abundância” (Jo 10,10). Foi subversivo às leis da religião de sua época e propôs um novo modelo de convivência, no qual a vida está acima de toda lei, pois o seu fundamento consiste exclusivamente no Amor (auto-oblação / kénosis). Para demonstrar tal atitude de Jesus vemos a cura do homem com a mão atrofiada em dia de sábado. “É permitido, no sábado, fazer o bem ou fazer o mal? Salvar a vida ou matar? Eles porém, se calavam” (Mc 3,4). E ainda no capítulo anterior outra boa nova: “O sábado foi feito para o homem, e não o homem para o sábado; de modo que o Filho do Homem é senhor até do sábado” (Mc 2,27-28).

Baseado no anúncio e nos feitos de Jesus, o nosso acreditar neste Deus da vida e da esperança é que fortalece a nossa caminhada enquanto peregrinos neste mundo. “Por conseguinte, só acreditando é que a fé cresce e se revigora; não há outra possibilidade de adquirir certeza sobre a própria vida, senão abandonar-se progressivamente nas mãos de um amor que se experimenta cada vez maior porque tem a sua origem em Deus” (Porta Fidei 7).

Assim, crer é sustentar algo em nós, e a fé que é dom de Deus, é uma estrada segura, e quando seguida é então capaz de conduzir o ser humano para além das intempéries deste mundo e transformar as realidades humanas. Quantas situações que nos aflige em nossa hodiernidade? As drogas, o consumismo, o hedonismo, o individualismo, o indiferentismo, o nihilismo, etc. “É a fé que permite reconhecer Cristo, e é o seu próprio amor que impele a socorrê-Lo sempre que Se faz próximo nosso no caminho da vida. Sustentados pela fé, olhamos com esperança o nosso serviço no mundo, aguardando «novos céus e uma nova terra, onde habite a justiça» (2 Ped 3, 13; cf. Ap 21, 1)” (Porta Fidei 14).

Portanto, permitamo-nos ser ressignificados pelo Senhor, que seus ensinamentos e gestos nos motivem a crer em sua Palavra, que nos liberta de todas as realidades, ele foi quem pelo seu processo de entrega total “nos amou até o fim” (Jo 13,1), fazendo-nos compreender que a última palavra não é a morte ou o mal, mas o amor.