sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

SOLENIDADE DE SANTA MARIA, MÃE DE DEUS


Maria é aquela que é modelo de humildade, fidelidade e obediência, sua vida foi uma entrega total a Deus. Assim para nós, Maria é tipo da Igreja, exemplo a ser seguido, pois acreditou no Amor através dos dizeres do anjo “não temas, Maria! Encontraste graça junto de Deus” (Lc 1,30). Realmente, foi o Amor quem a sustentou, por meio dela nasceu (encarnou-se) Jesus, Filho de Deus, “que não usou de seu direito de ser tratado como um deus, tornando-se semelhante aos homens” (Fl 2,6-7), exceto no pecado, possuidor de duas naturezas: divina e humana. Maria assim, recebe esse título de Mãe de Deus (Theotokos – Concílio de Éfeso – ano 431), em virtude de ser mãe de Deus-filho (segunda pessoa da Santíssima Trindade).
Na Constituição Dogmática Lumen Gentium, sobre a Igreja, no capítulo VIII, o Concílio Vaticano II declarou: “Efetivamente, a Virgem Maria, que na anunciação do Anjo recebeu o Verbo no coração e no seio, e deu ao mundo a Vida, é reconhecida e honrada como verdadeira Mãe de Deus Redentor. Remida dum modo mais sublime, em atenção aos méritos de seu Filho, e unida a Ele por um vínculo estreito e indissolúvel, foi enriquecida com a excelsa missão e dignidade de Mãe de Deus Filho; é, por isso, filha predileta do Pai e templo do Espírito Santo, e, por este insigne dom da graça, leva vantagem à todas as demais criaturas do céu e da terra. Está, porém, associada, na descendência de Adão, a todos os homens necessitados de salvação; melhor, «é verdadeiramente Mãe dos membros (de Cristo)..., porque cooperou com o seu amor para que na Igreja nascessem os fiéis, membros daquela cabeça». É, por esta razão, saudada como membro eminente e inteiramente singular da Igreja, seu tipo e exemplar perfeitíssimo na fé e na caridade; e a Igreja católica, ensinada pelo Espírito Santo, consagra-lhe, como a mãe amantíssima, filial afeto de piedade” (LG 53).
É interessante observarmos que em Maria há um esvaziamento, da mesma maneira que vemos na pessoa do Filho (kenosis). Se com Adão/Eva tivemos um fechamento baseado no “orgulho e na desobediência” (Cf. Gn 3), em Jesus/Maria temos um novo tempo inaugurado, o tempo de restauração da “imagem e semelhança de Deus”, desfigurada pelo pecado, é Jesus com sua humildade, fidelidade, obediência e auto-oblação que sintetiza o que escreveu o evangelista João “tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até o fim” (Jo 13,1), reconciliou o mundo com o Pai, “pois era Deus que em Cristo reconciliava o mundo consigo, não imputando aos homens suas faltas e pondo em nós a palavra da reconciliação” (II Cor 5,19). Foi nessa força do amor que Maria também acreditou e colaborou desde a anunciação para a obra da Salvação.
Portanto, como ela também somos convidados a ouvirmos a Palavra, não a palavra que nos mata, que nos leva a decadência, mas a Palavra que nos salva, liberta e nos eleva, que é o próprio Jesus, Filho de Deus, tudo converge para ele. Maria só é mãe de Deus por meio do Filho, isso implica dizer que tudo nela é cristocêntrico. Assim, como Maria acolheu a Palavra, também saibamos acolhê-la, afim de que a graça de Deus também nos eleve, porque “não há temor no amor: ao contrário: o perfeito amor lança fora todo o temor” (I Jo 4,18), permitamo-nos ser elevamos por tal força, através de nosso pensar (ortodoxia) e agir (ortopraxis), e que todo o nosso ser também proclame: “agiu com a força de seu braço, dispersou os homens de coração orgulhoso. Depôs poderosos de seus tronos, e a humildes exaltou” (Lc 1,51-52). Santa Maria Mãe de Deus, rogai por nós!

domingo, 30 de outubro de 2011

A importância da meditação



O silêncio é o caminho para ouvirmos e entendermos algo. Nosso existir em Deus tem “peso imenso e eterno” II cor 4,17.


A Palavra que Deus nos dirige tem como lugar de acolhimento o nosso coração. Para que possamos contemplá-la, precisamos nos esvaziar de nossa vontade autônoma e nos dirigirmos ao encontro da profundeza do amor de Deus, que sempre age desinteressadamente.


Neste contexto, Deus acolhe nosso vazio e o preenche com sua própria dádiva, seu amor. Em nosso abandono, nos deparamos com Jesus Cristo, que é Palavra definitiva de Deus. Neste meditar utilizamos de nossos sentidos e imaginação, expressando nosso crer e assim abrindo-nos para o divino.


No Mistério Pascal (paixão, morte e ressurreição), vemos em Jesus esta pessoa incomparável – Homem e Deus ao mesmo tempo -, que é sempre uno e indivisível. Nas Bem-Aventuranças, iluminou seus discípulos de maneira definitiva, correspondendo a eles em seus anseios mais profundos conforme a Antiga Aliança anunciava “os pobres de Javé”.


Na Cruz, expressou a extrema pobreza de espírito, mas por ele fomos convidados a não pararmos na cruz, mas a olharmos o amor supremo consumado, nele recebemos a “Revelação”, o “bem aventurado”.


A bem aventurança de Jesus tem seu ápice em seu aniquilar-se, tornando-se dessa forma, espaço vital em prol de todos os homens. Esse era o seu modo de pensar.


Portanto, Cristo assim exprimiu o ideal a ser seguido, o ideal que ele mesmo é, e o ideal que Deus é como Uno e Trino. Dessa maneira, que através da meditação saibamos nos abandonar e encontrar a Cristo que nos conduz ao Pai.





Reflexão feita a partir do livro:


BALTHASAR, Hans Urs Von. Meditar como cristãos. Tradução: Pe. Clóvis Bovo, C.Ss.R. Aparecida-SP: Santuário. p.18-29.


Um bom livro para quem quer se aprofundar na meditação (oração).



Como lidar com o mal?



Anselm Grün nos apresenta uma classificação básica nominada pelos antigos monges, em que temos três forças em nossa alma: nous (espírito) aos anjos, Thymos aos demônios, Epithymia (desejo) aos homens.


Partindo da classificação elencada pelos monges, estes descrevem que Thymos (demônios) exercem sua influência sobre os homens através do ódio, da inveja e principalmente através da ira. Diziam eles que o ar é a região onde os demônios também são encontrados.


Para eles, a fantasia é o ponto de contato para os maus pensamentos, ocorre ali uma luta de nossos próprios pensamentos, exclusivamente quando estes estão carregados de paixão e emoção.


Demônios são capazes de dominar um homem (como descrevemos acima), de forma que ele se torne um possesso. Segundo os monges, os demônios podem conduzir os homens a doenças psíquicas: esquizofrenia, epilepsia, loucura e histeria, alguns impelidos ao suicídio.


Para Jung estas eram tentativas de explicar os fenômenos, para o psicólogo, a causa central estaria na projeção, que impede o ser humano de ver a realidade com tal. Segundo ele, os complexos nos levam a agir compulsivamente e adquirirem certa autonomia.


Muitas vezes tais complexos alcançam o domínio sobre o eu. Através do complexo da alma – repressões de ordem moral ou estética, excluídos da convivência -, por meio do complexo de espírito – conteúdos do inconsciente coletivo que penetram nossa consciência -. Geralmente tais complexos e afetos modificam-se em complexos autônomos.


Logo, lidar com os demônios é procurar exteriorizá-los de nosso inconsciente, afim de defender-nos contra eles, sobretudo no âmbito dos afetos e emoções.




Reflexão feita a partir do livro:



GRÜN, Anselm. Convivendo com o mal - A luta contra os demônios no monaquismo antigo. Petrópolis-RJ: Vozes, 2010. p. 17-24.



Recomendo a leitura, um excelente livro!

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Oração como terapia, libertação do ser


A primeira linguagem pela qual Deus se comunica a nós é o silêncio. O ser humano tem a necessidade de descansar na presença de Deus.

A oração é o caminho para este relacionamento entre Deus e o homem, assim quando falamos em oração centralizadora, estamos falando sobre um exercício de intenção, em que por meio de uma palavra sagrada (exemplo: Terço da Misericórdia – Pela vossa dolorosa paixão... Tende misericórdia de nós e do mundo inteiro) expressamos nossa intenção de experienciar Deus dentro de nosso interior via contemplação.

Tal caminho leva-nos a uma decisão, opção, direcionamento de nossa vontade em vista do amor divino que não é sentimento. Na oração nos permitimos aceitar a ação divina em nossa vida. Quando nossa vontade é direcionada a espiritualidade, vamos adquirindo o hábito de submissão a presente ação de Deus em nossa alma.

A oração atua de forma terapêutica, levando-nos a uma libertação do sentimento de ser indigno do amor, tendo em vista que há uma necessidade em nosso ser de amar e ser amado, uma vez que nascemos do amor e para o amor. A palavra sagrada que utilizamos para oração, serve para nos ajudar a focalizar nossa intenção. No momento oracional fazemos uma viagem e aí somos libertos de nossas fixações e reconfigurados em nossas emoção (força que nos move), por vezes recalcadas em nosso inconsciente.

Logo, quando vamos tomando consciência geral da presença de Deus junto a nós, confiando a Ele nossa vida, através de nossa oração de simplicidade (como o agir da criança), somos de fatos purificados em todo o nosso interior e assim estabelecemos uma harmonia entre Deus, a alma e o próximo.

Embusca de si mesmo


Santa Teresa em seu livro Castelo Interior, faz a analogia que nossa alma é um castelo e esta possui muitos aposentos e moradas.

O universo interior, que é a nossa alma, muita vezes é por nós abandonado, e para adentrá-lo necessário nos é a oração, porta de entrada do castelo. Por vezes, nossa inteligência se acha capaz de compreender a Deus, quando não é. Santo Agostinho certa vez escreveu “se Deus fosse possível de ser compreendido deixaria de ser Deus”, pois caberia em nossa simples razão. Não nos esqueçamos de que há uma grande diferença em o Criador e a criatura, pela bondade de Deus fomos criados a sua imagem, e é a partir daí que nós tentamos dizer o indizível.

Sobre as riquezas existentes na alma pouco sabemos, dentro deste castelo interior ocorrem coisas secretas entre Deus e a alma. Para que possamos experienciar as provas do amor de Deus, a nós oferecidas, se faz necessário a fé (crer). Santo Agostinho em suas confissões nos relata: “Tu estavas dentro de mim, e eu Te procurava fora, onde me precipitava sobre as belas coisas da terra, tuas obras”. Assim, é possível dizer que existem maneiras diferentes de estar num mesmo lugar, há almas que estão distantes (em coisas exteriores), mas lembremos que a entrada para o castelo interior é a oração e meditação de maneira reflexiva.

Em vista disso, aproximemo-nos de nós mesmos, da alma, é lá se dará o ponto de encontro (Deus e o ser humano), é neste relacionar que o ser humano se descobre enquanto pessoa no mundo, caso contrário perde-se-ia a identidade, fazendo com que a vida fosse simplesmente uma caminhada sem sentido e significado.

Ser livre e conduzido pelo amor


Ao escrever que (Deus há de ser amado), São Bernardo nos lança justamente um questionamento muito profundo, o amor a si e o amor a Deus. Coloca-nos numa perspectiva de que a caridade é a chave de libertação do ser humano de forma integral.

O santo nos apresenta que muitas vezes buscamos um amor (de nós mesmos – narcísico), e não o amor por ele mesmo, deixando transparecer que a condição humana busca confiar em si mesma (busca o que é bom para si), quando deveria confiar em Deus, especificamente na pessoa do Filho que é caridade revelada.

Quando o ser humano é movido por esta caridade proveniente de Deus, as almas se convertem, tornam-se livres para fazer o bem. A caridade (o amor) é tão grandiosa que não guarda nada de si, é doação sempre. Deus vive uma Lei, e esta é a caridade, de substância divina, porque dEle provém, e é eterna, e por meio dela é que o universo foi criado.

O ser humano se torna escravo a medida que vive apenas por sua própria lei, e esta o leva a viver apenas para si (egoísmo) e não para o outro (altruísmo).

Santo Agostinho em seu livro De civitate Dei descreve: “Dois amores fundaram duas cidades, a saber, o amor próprio levado ao desprezo de Deus, a terrena; o amor de Deus levado ao desprezo de si próprio, a celestial. Uma gloria-se em si mesma, a outra em Deus. Aquela busca a glória dos homens, e esta tem por máxima glória de Deus, testemunha de sua consciência”.

Portanto, cabe-nos pensar que o ser humano conduzido pela Lei de Deus é capaz de tornar-se bom e também a humanidade, uma bondade de não provém justamente de si, mas de Deus, e quando fecha-se em si mesmo, negando o amor de Deus, torna-se árido, sem vida, contribuindo para que o mal se levante mediante a carência do bem que do amor procede.

domingo, 3 de julho de 2011

VINHO E MOINHOS

Autora: Vânia Dantas 1

Uberlândia – MG

Talvez a comunicação com as pessoas ‘diferentes’ seja mais possível pela emoção. Talvez nessa troca nos entendamos, tendo a razão recolhida. Mas como dizer isso para quem define a melhor forma da vida ser vivida, ou seja, através da racionalidade?

A própria existência nos ensina a ser, na figura das pessoas e situações encontradas. Assim se percebe que há caminhos para uns e para outros. Com essa emoção me lembro dos delírios que observo no mundo, no caos da Terra e no das imagens mentais. Música, vinho e fantasia.

Os moinhos de vento ruflam no meio do mar escuro. Altos, muito altos, construídos de tijolos antigos, querem tirar sal da água, água do sal. Os moinhos se vão com o redemoinho, sobem com o vento como num clipe de Pink Floyd. Esse mar, que é um copo de vinho, vinho amargo pela dor ou prazer adocicado de enjoar.

Esse corpo de vinho que se liquefaz no chão já não se agüenta de saudade e não sabe mais como existir sozinho; se altera com ondas na superfície e se espanta com a multidão de veleiros coloridos, espantalhos de surpresas e desfeitas. Se há esperança? Anseia há muito a calmaria.

Lembro premonições, como o texto distribuído na sala dos professores:


“Construção diferente

Uma nova cor muda um quadro

Uma nova página reescreve uma história

Um novo dia muda uma vida...

Que neste ano você faça parte da construção de um novo projeto:

Viver intensamente!”

Algumas vezes, essa mensagem pode ser muito certeira. Um momento que se instaura para fazer reconstruir toda uma vida, repensar o passado, mudar o futuro. Muda-se o futuro, se ele nem existe? O tempo é uma utopia? Nossas vidas, enteiadas umas às outras, mostram que o livre arbítrio não existe...

Todos quereriam viver intensamente, dez anos a mil. Mas pode haver grande diferença entre discurso e ação. O futuro seria o mesmo, com você sozinho e lutando contra a vontade de manter seus ideais por conta de convenções e limites. Você acha que o futuro já estava marcado? Então é o presente que está errado, não você... (risos) Mas se ele é presente, foi um pacotinho brilhante, com laço de fita vermelha que, acho, não soubemos bem desembrulhar e ver o que tinha escondido nos cantinhos... lá estava a poeirinha mágica, purpurina dourada pra dizer que é possível – e que, no fim, é tudo sonho. Mas você não a viu.

Voltar pro sonho. Soltar os braços e sentir um redemoinho pronto pra nos levar, pra guiar nossos planos, realizá-los. Caminhar no leito dos córregos da fazenda em busca das cachoeiras. Nadar a favor da correnteza do rio, ser o rio. Alcançar um corrimão que nos ajude a transpor a ponte de Monet para outra fase da vida. Passar para outra vida, digna de ser vivida. Sentir muito mais coisas no ar do que o corpo poderia participar, sendo ele um elemento a mais e não o principal, como ocorre com a generalidade.

Encontrei os moinhos na usina eólica instalada no alto do morro do Camelinho, ao lado da rodovia Curvelo-Diamantina. Eram figuras isoladas, brancas e bem delicadas pra se dizer que seriam monstros com quem se precisasse guerrear.



1Mestre em História Social – Universidade Federal de Uberlândia - UFU, Especialista em Filosofia Clínica - Instituto Packter, Licenciada em Filosofia – UFU. E-mail: vaniamor@hotmail.com.

terça-feira, 28 de junho de 2011

Metafísica: O escândalo da cruz anunciado por Paulo e o esquecimento do ser proposto por Martin Heidegger

Nos últimos séculos temos percebido o empenhar-se do homem hodierno pela ciência, e o esquecimento de tantas outras formas do saber que não são possíveis de serem demonstradas empiricamente (poesia, arte, música, fé), mas que carecem de contemplação. Assim, existem coisas que são próprias do ser, e que não podem ser tocadas pelo cientificismo, o homem é muito mais do que ele faz, o homem é um ser que é.

Hannah Arendt que foi aluna de Heidegger, nos leva a esta reflexão, o homem vive mais preocupado com o “agir” do que com o “pensar”. No que nos transformamos? Será que não estamos apenas reproduzindo um sistema? Como nossa vida é reduzida nos dias de hoje? Procuramos as melhores escolas, nos esforçamos para conseguir os melhores empregos, se preciso até prejudicando outras pessoas, fazemos e fazemos, mas em vista do que? Pelo dinheiro? Para conquistarmos bens materiais? De uma falsa felicidade? É, realmente parece que nossas ações convergem apenas para o material, o ser assim é definitivamente esquecido, deixado de lado.

Heidegger em seu pensamento, coloca a diferença entre ser e ente. O ser é aquilo que o homem é (essencialmente) falando, o ente é aquilo que ele demonstra em suas relações no mundo, com as coisas. O ser não pode ser tocado, e o ente só existe (age) porque o ser é (o alimenta, é a sua força). Quando vejo uma pessoa, interajo com ela, relaciono-me externamente com seu ente, mas o seu ser (suas dimensões mais profundas – abstratas -) eu não consigo experienciar onticamente, ao mesmo tempo que parece estar perto, é distante. Isso não quer dizer que o ser não é ou esteja fechado, apesar das pretensões científicas, utilizando de meios empíricos, a ciência não consegue tocá-lo. A poesia expressa uma das chaves de acesso ao real, Pascal tem razão ao dizer “o coração tem razões que a própria razão desconhece”.

Falar de tal situação faz-nos refletir sobre algo que o apóstolo Paulo anunciava, cf. I Cor 1,18-25: “A pregação da cruz é loucura para os que se perdem, mas para os que são salvos, para nós, ela é força de Deus. Pois está escrito: “Destruirei a sabedoria dos sábios e confundirei a inteligência dos inteligentes”. Onde está o sábio? Onde o escriba? Onde o disputador desta era? Aliás, Deus não reduziu a loucura a sabedoria deste mundo? De fato, pela sabedoria de Deus, o mundo não foi capaz de reconhecer a Deus através da sabedoria, mas, pela loucura da pregação, Deus quis salvar os que creem. Pois tanto os judeus pedem sinais, como os gregos buscam sabedoria. Nós, porém, proclamamos Cristo crucificado, escândalo para os judeus e loucura para os pagãos. Mas para os que são chamados, tanto judeus como gregos, Cristo é poder de Deus e sabedoria de Deus. Pois o que é loucura de Deus é mais sábio que os homens e o que é fraqueza de Deus é mais forte que os homens”1.

Nesse sentido, traçamos um ponto em comum entre Heidegger e Paulo, em que, para Heidegger, a ciência acredita ter acesso a tudo por meio de sua técnica e conhecimento, achando possuir a sabedoria por meio da epistemologia. Em Paulo, dentro de seu contexto, viviam “a gente do espírito”, que eram aqueles estudiosos, considerados os sábios, achavam-se eles os “dominadores da sabedoria”, mas não foram capazes de reconhecer o escândalo da cruz, na pessoa de Jesus Cristo. Pois, como poderia Jesus (um justo) ser morto numa cruz? Queriam crer apenas num salvador super-humano, enquanto Paulo insistia na ideia de um salvador crucificado. É interessante que “o louco” é visto de certa forma como alguém diferente, que saiu da “normalidade”, da lógica, do senso comum. Não seria assim, um encontro profundo com o ser? Um rompimento com o senso comum? Não seria este então o sábio?

É importante lembrar que a morte de Cristo foi consequência de sua auto-oblação, não vontade de Deus, mas da maldade dos homens que não acolheram a Palavra; Jesus entregou-se inteiramente ao projeto do Reino de Deus, que prezava o ser, a pessoa humana, a vida. Lutou pela dignidade humana, “com efeito, o Filho do Homem veio procurar e salvar o que estava perdido” Lc 19,102. Jesus não olhava o efêmero, mas a essencialidade, o que a pessoa era em si (ser). Nas palavra de Heidegger “este afastar-se do ente em sua totalidade, que nos assedia na angústia, nos oprime. Não resta nenhum apoio. Só resta e nos sobrevém ― na fuga do ente – este “nenhum”. A angústia manifesta o nada”.3

Não teria Jesus vivido isso? Afastado-se da totalidade dos entes (fenômenos efêmeros – poder, a busca pelo status quo e o egocentrismo - ?) e lutado por justiça, por partilha e pelo bem comum? E quando há o rompimento com o senso comum, o que nós sobra? A angústia. E a angústia nos leva a sair de toda essa situação, e nos insere num processo de nadificação, onde o vazio parece surgir, mas na realidade é a entrada ao mais profundo de nós mesmos (ser). Jesus assim, por escolher viver e fazer a vontade do Pai, buscando o real que não é somente empírico, sentiu angústia, conheceu o mais profundo da condição humana, foi capaz de compreender o coração daqueles que foram deixados à margem, “esvaziou-Se a Si mesmo, assumindo a condição de servo e tornando-Se semelhante aos homens” Fl 2,7a.

Portanto, em nossa atual conjuntura mundial, com seus pensamentos e maneiras de se viver, saibamos nos questionar se de fato estamos vivendo (ser), ou estamos sendo conduzidos (ente) por um sistema. A problemática é justamente esta, estarmos sendo conduzidos nos leva a sentirmo-nos num espaço e neste espaço efetuamos algumas tarefas letárgicas, insignificativas, agimo-nos como marionetes. Viver é justamente o contrário, é perceber-se que se está no tempo, e quando optamos em entrar em contato com nosso ser descobrimos a importância do que somos, e isso nos desperta ao altruísmo, nos faz perceber que somos parte de um todo (holismo), que as pessoas que nos cercam nos são significativas, e que o cosmos – a ecologia - também é responsabilidade nossa. Assim, o escândalo da cruz e a metafísica de Heidegger ao contrário do que muitos pensam ser apenas ideias inatingíveis, “loucura”, quando assumidas na vida humana são capazes de produzir vida, existência, caridade e fraternidade, nos fazendo compreender o sentido de ser e de existir (dasein) no mundo.


1Bíblia edição CNBB.

2Ibid. CNBB

3HEIDEGGER, Martin. Coleção -Os pensadores. Tradução: Ernildo Stein. São Paulo: Editora Nova Cultural, 1999. p.56-57.

domingo, 16 de janeiro de 2011

RESENHA - EXORTAÇÃO APOSTÓLICA PÓS-SINODAL VERBUM DOMINI

RESENHA

Exortação Apostólica Pós-Sinodal VERBUM DOMINI

Sobre a Palavra de Deus na Vida e na Missão da Igreja

Papa Bento XVI


BENTO XVI, Exort. ap. Pós-sinodal Verbum Domini (30 de Setembro de 2010). 2ª Ed. São Paulo: Paulinas.


A prioridade que se concluiu no Sínodo dos Bispos sobre a Palavra de Deus em setembro de 2008 é de elevar o coração do homem ao coração de Deus (um reabrir-se) para que este “tenha vida em abundância” Jo 10,10. A XII Assembleia Sinodal voltou-se a redescoberta de que Deus nos fala e responde às nossas perguntas por meio das Escrituras.

Diz o papa a respeito do Sínodo, no sentido de influir de maneira eficaz na vida da Igreja o aprofundamento no estudo da Palavra, uma vez que nosso fundamento de nossa fé é o próprio Verbo: “Sobre a relação pessoal com as Sagradas Escrituras, sobre a sua interpretação na liturgia e na catequese bem como na investigação científica, para que a Bíblia não permaneça uma Palavra do passado, mas uma Palavra viva e atual”1.

Em seu infinito amor Deus da-Se-nos a conhecer. Sendo nós imagem e semelhança dEle, só nós conhecemos nEle. “A expressão 'Palavra de Deus' acaba por indicar aqui a pessoa de Jesus Cristo, Filho eterno do Pai feito homem”2. “Deus, criando e conservando todas as coisas pelo Verbo (cf. Jo 1,3), oferece aos homens um testemunho perene de Si mesmo na criação”3.

Tudo o que existe, provém da Palavra que é fundamento da realidade. As efemeridades que nosso mundo hodierno nos apresenta não nos preenche, não nos edifica e não nos propicia raízes sólidas. Ao longo do tempo Deus nos falou por meio dos profetas e, seu amor, sua Palavra Se revelou no Filho (Jesus), o Logos. A Palavra teve empiricamente forma humana, vista, ouvida e testemunhada pelos apóstolos. Na cruz a Palavra se silencia, e a todos os que com Ele crucificam sua carne tornaram-se livres, uma aliança que se solidificou, por meio de Jesus que na ressurreição, tornou-Se à luz a iluminar todo o gênero humano e toda criação.

“Ao dar-nos, como nos deu, o seu Filho, que é a sua Palavra e não tem outra, Deus disse-nos tudo ao mesmo tempo e de uma só vez nesta Palavra única e já nada mais tem para dizer (...)”4. Deus nos inspira por meio de seu Espírito, e a Sagrada Escritura contém a Palavra de Deus que nos direciona a vivermos uma vida segundo a vontade do Pai. A Escritura não vai contra os anseios do homem, mas o ilumina, o purifica em suas realizações, levando-nos assim a compreender que a fé está intimamente ligada a Palavra.

O pecado que habita o coração humano é revelado pela Palavra de Deus, que nos torna conscientes que o pecado consiste em “não-escutar”, em desobedecer a Deus. Em Cristo que é a própria Palavra, encontramos misericórdia e redenção para o nosso pecado, através da escuta de Sua Palavra. Maria é o símbolo de abertura a Deus, nela a Palavra tomou forma, encarnou-se.

“As palavras divinas crescem juntamente com quem as lê. Assim, a escuta de Deus introduz e incrementa a comunhão eclesial com todos os que caminham na fé”5. No estudo da Sagrada Escritura, somente quando se observa os dois níveis metodológicos, histórico-crítico e teológico, é que se pode falar de uma exegese teológica, de uma exegese adequada a este livro”6.

São Paulo descobre que “o Espírito libertador tem um nome e que a liberdade tem, consequentemente, uma medida interior”. “O Senhor é Espírito, e onde está o Espírito do Senhor há liberdade” (2 Cor 3,17)7, criando assim um elo entre o Antigo e o Novo Testamento. O Antigo e o Novo testamento estão intimamente ligados, ambos fazem referência a manifestação de Deus na história, de modo objetivo à pessoa de Jesus de Nazaré.

A Sagrada Escritura não pode ser interpretada de uma maneira fundamentalista, mas precisa ser levado em consideração o valor do conteúdo histórico, para que nos aproximemos dessa verdade que é o próprio Deus. Ao longo da história bíblica os profetas se levantaram para exortar os homens e a reconduzi-los ao caminho de Deus.

A interpretação da Sagrada Escritura nos leva a uma vida de unidade, tal como o desejo de Jesus “Pai que todos sejam um” (Jo 17,21). Não podemos desprezar também o testemunho dos santos, que vivendo a Palavra deram exemplo com a própria vida e estes se tornaram referência para que interpretemos bem o que nos propõe as Escrituras.

A Igreja é anunciante desta Palavra, de maneira particular na liturgia, onde no Centro está o grande Mistério Pascal, nEle estão intimamente ligados todos os mistérios de Cristo. Assim, “Palavra e Sacramento estão sempre juntos, “pois não há separação entre o que Deus diz e faz”8.

Neste sentido, a Palavra anunciada nas celebrações precisa ser ouvida e meditada, as homilias e pregações devem trazer como centro o próprio Cristo, que primeiramente ouvimos através da Palavra, em seguida trazemos para o nosso interior e por último somos convidados a vivenciar a Palavra na comunidade de maneira concreta. Desta forma, que na vida do cristão Palavra e testemunho caminhem lado-a-lado.

Valorizar a Celebração da Palavra, que é momento e lugar de encontro com o Senhor, sem é claro, confundirmos com a Celebração Eucarística, é sem dúvida uma maneira de aproximarmos a Palavra, do povo de Deus. Prezar pelo silêncio e adoração, é também uma forma que Deus fala ao seu povo. A Liturgia das Horas também fortifica a vida de oração. É necessário valorizarmos mais a Palavra, reservando um lugar de destaque para a Bíblia em nossas Igrejas e comunidades (sem retirarmos o foco do sacrário). Que em nossas casas tenhamos a Bíblia em um lugar de destaque, para que possamos rezar diariamente. Todos esses esforços são necessários e, que nos empenhemos para que a Palavra chegue as mãos de nossos irmãos.

Precisamos nos aprofundar em nosso relacionamento com a pessoa de Jesus, para isso somos convidados a criar em nossas comunidades um tipo de “serviço de animação bíblica” em que conheçamos e estudemos a fundo as Escrituras. A catequese é um lugar privilegiado para o aprendizado da Palavra, ao lado da tradição (Catecismo da Igreja Católica) que nos ajuda na compreensão da vontade de Deus. O aprofundamento nesta Palavra nos remete a busca pela santidade, pois a Palavra nos forma. Assim, os bispos, sacerdotes e ministros da Palavra são convidados por meio do testemunho a buscarem uma vida de intimidade com a a Palavra. O estudo bíblico e a oração para com a Escritura, devem estar intimamente ligados. Tal procedência nos remete a buscarmos o sentido para nossa existência “indica ao mundo de hoje que é mais importante e, no final de contas, a única coisa decisiva, existe uma razão última pelo qual vale a pena viver, isto é, Deus e seu amor imperscrutável”9.

O Evangelho precisa ser difundido no mundo, e para isso a Igreja conta com a ajuda dos leigos, através deles, por meio do matrimônio, no testemunho cristão aos filhos, essa Boa Nova vai sendo transmitida. A mulher nesse cenário ocupa um lugar privilegiado, pois esta traz em si a ternura, tão importante no anúncio da Palavra. Dessa forma, “é muito importante a leitura comunitária, porque o sujeito vivo da Sagrada Escritura é o Povo de Deus, é a Igreja […] A Escritura não pertence ao passado, porque o seu sujeito, o Povo de Deus inspirado pelo próprio Deus, é sempre o mesmo, e portanto, a Palavra está sempre viva no sujeito vivo”10.

A Lectio Divina é também um caminho para o encontro com o Cristo, que consiste na leitura da Palavra (o que diz o texto em si), a meditação (o que nos diz o texto), a oração (nossa resposta ao Senhor à Sua Palavra) e a contemplação (mudança que Deus nos pede para vida). A oração do Angelus Domini (No amanhecer, ao meio dia e ao entardecer) também é uma forma de rememorarmo-nos a encarnação do Verbo.

“O Verbo de Deus comunicou-nos a vida divina que transfigura a face da terra, fazendo novas todas as coisas (cf. Ap 21,5). A Sua Palavra envolve-nos não só como destinatário da revelação divina, mas também como seus arautos11. Nas Palavras de Bento XVI: “Ele é aquele Deus que possui um rosto humano e que nos 'amou até o fim' (Jo 13,1)”. Por isso, a Igreja é missionária, pois a Palavra deve ser anunciada para toda humanidade.

Para uma boa eficácia de uma nova evangelização é preciso o anúncio e também o testemunho como ressaltara o papa João Paulo II. “A própria Palavra nos recorda a necessidade do nosso compromisso no mundo e a nossa responsabilidade diante de Cristo, Senhor da história. Quando anunciamos o Evangelho, exortamo-nos reciprocamente a cumprir o bem e a empenharmo-nos pela justiça, pela reconciliação e pela paz”12.

“A evangelização e a difusão da Palavra de Deus devem inspirar a sua ação no mundo à procura do verdadeiro bem de todos, no respeito e promoção da dignidade de toda a pessoa”13. “Escutando com ânimo disponível a Palavra de Deus na Igreja, desperta-se “a caridade e a justiça para com todos sobretudo para os pobres”. É preciso nunca esquecer que “o amor – caritas – será sempre necessário, mesmo na sociedade mais justa […]. Quem quer desfazer-se do amor prepara-se para se desfazer do homem enquanto homem”14.

O amor a Deus e ao próximo traduzem de maneira concreta o compreendimento da Escritura. Cristo é o melhor arquétipo para formação da juventude, para o ser humano, a nos fazer deparar com o que há de mais excelso em nossa condição humana. Deus se dá todo a nós.

O anúncio da Palavra deve chegar àqueles que sofrem de enfermidade física, psíquico e espiritual. “A vida humana digna de ser vivida plenamente, mesmo quando está debilitada pelo mal”15. A exploração da natureza é uma outra questão levantada, uma arrogância a não obediência da Palavra criadora, pois a obediência promove uma ecologia autêntica.

Dessa forma, para que a Palavra produza seu efeito em nossa vida e no mundo, torna-se de suma importância que “cada cultura deve estar aberta à transcendência, em última análise, a Deus”16. A Bíblia possui uma variedade de elementos antropológicos e filosóficos que contribuíram com a humanidade. Nesta contribuição está também a Arte (arquitetura, literatura e música). Utilizar dos meios de comunicação para o anúncio dessa Palavra é também um passo importante em nosso tempo.

A aculturação se torna um meio positivo na divulgação da Palavra de Deus, pois através da tradução da Bíblia em outras línguas, esta colabora de forma significativa para todas as culturas, através dos valores contidos no Evangelho.

Portanto, a Palavra de Deus é capaz de se manifestar nas diversas culturas e línguas distintas, gerando união e comunhão entre os povos. “A Igreja reconheceu como parte essencial do anúncio da Palavra o encontro, o diálogo e a colaboração com todos os homens de boa vontade”17. Como disse Bento XVI “o anúncio da Palavra cria Comunhão e gera alegria”18. Assim, movidos por esta Palavra que criou o mundo e que move o ser humano, que possamos semear esta Palavra em todos os lugares (em nossas famílias, em nossas comunidades, em nosso trabalho, em nossas escolas), e movidos pelo Espírito que inspirou os escritores sagrados, que possamos refletir na sociedade e no próprio planeta a encarnação do Verbo, e dizer como Paulo “por isso, se alguém está em Cristo, é uma nova criatura. O mundo antigo passou, eis que aí está uma realidade nova” (II Cor 5,17).




1Verbum Domini, § 5

2Ibid., § 7

3Ibid., § 8

4Ibid., § 14 – citando São João da Cruz

5Ibid., § 30

6Ibid., § 34

7Ibid., § 38

8Ibid., § 53

9Ibid., § 83

10Ibid., § 86

11Ibid., § 91

12Ibid., § 99

13Ibid., § 100

14Ibid., § 103

15Ibid., § 106

16Ibid., § 109

17Ibid., § 117

18Ibid., § 123


Recomendo a leitura completa desta Exortação pela profundidade que esta nos apresenta.