domingo, 16 de janeiro de 2011

RESENHA - EXORTAÇÃO APOSTÓLICA PÓS-SINODAL VERBUM DOMINI

RESENHA

Exortação Apostólica Pós-Sinodal VERBUM DOMINI

Sobre a Palavra de Deus na Vida e na Missão da Igreja

Papa Bento XVI


BENTO XVI, Exort. ap. Pós-sinodal Verbum Domini (30 de Setembro de 2010). 2ª Ed. São Paulo: Paulinas.


A prioridade que se concluiu no Sínodo dos Bispos sobre a Palavra de Deus em setembro de 2008 é de elevar o coração do homem ao coração de Deus (um reabrir-se) para que este “tenha vida em abundância” Jo 10,10. A XII Assembleia Sinodal voltou-se a redescoberta de que Deus nos fala e responde às nossas perguntas por meio das Escrituras.

Diz o papa a respeito do Sínodo, no sentido de influir de maneira eficaz na vida da Igreja o aprofundamento no estudo da Palavra, uma vez que nosso fundamento de nossa fé é o próprio Verbo: “Sobre a relação pessoal com as Sagradas Escrituras, sobre a sua interpretação na liturgia e na catequese bem como na investigação científica, para que a Bíblia não permaneça uma Palavra do passado, mas uma Palavra viva e atual”1.

Em seu infinito amor Deus da-Se-nos a conhecer. Sendo nós imagem e semelhança dEle, só nós conhecemos nEle. “A expressão 'Palavra de Deus' acaba por indicar aqui a pessoa de Jesus Cristo, Filho eterno do Pai feito homem”2. “Deus, criando e conservando todas as coisas pelo Verbo (cf. Jo 1,3), oferece aos homens um testemunho perene de Si mesmo na criação”3.

Tudo o que existe, provém da Palavra que é fundamento da realidade. As efemeridades que nosso mundo hodierno nos apresenta não nos preenche, não nos edifica e não nos propicia raízes sólidas. Ao longo do tempo Deus nos falou por meio dos profetas e, seu amor, sua Palavra Se revelou no Filho (Jesus), o Logos. A Palavra teve empiricamente forma humana, vista, ouvida e testemunhada pelos apóstolos. Na cruz a Palavra se silencia, e a todos os que com Ele crucificam sua carne tornaram-se livres, uma aliança que se solidificou, por meio de Jesus que na ressurreição, tornou-Se à luz a iluminar todo o gênero humano e toda criação.

“Ao dar-nos, como nos deu, o seu Filho, que é a sua Palavra e não tem outra, Deus disse-nos tudo ao mesmo tempo e de uma só vez nesta Palavra única e já nada mais tem para dizer (...)”4. Deus nos inspira por meio de seu Espírito, e a Sagrada Escritura contém a Palavra de Deus que nos direciona a vivermos uma vida segundo a vontade do Pai. A Escritura não vai contra os anseios do homem, mas o ilumina, o purifica em suas realizações, levando-nos assim a compreender que a fé está intimamente ligada a Palavra.

O pecado que habita o coração humano é revelado pela Palavra de Deus, que nos torna conscientes que o pecado consiste em “não-escutar”, em desobedecer a Deus. Em Cristo que é a própria Palavra, encontramos misericórdia e redenção para o nosso pecado, através da escuta de Sua Palavra. Maria é o símbolo de abertura a Deus, nela a Palavra tomou forma, encarnou-se.

“As palavras divinas crescem juntamente com quem as lê. Assim, a escuta de Deus introduz e incrementa a comunhão eclesial com todos os que caminham na fé”5. No estudo da Sagrada Escritura, somente quando se observa os dois níveis metodológicos, histórico-crítico e teológico, é que se pode falar de uma exegese teológica, de uma exegese adequada a este livro”6.

São Paulo descobre que “o Espírito libertador tem um nome e que a liberdade tem, consequentemente, uma medida interior”. “O Senhor é Espírito, e onde está o Espírito do Senhor há liberdade” (2 Cor 3,17)7, criando assim um elo entre o Antigo e o Novo Testamento. O Antigo e o Novo testamento estão intimamente ligados, ambos fazem referência a manifestação de Deus na história, de modo objetivo à pessoa de Jesus de Nazaré.

A Sagrada Escritura não pode ser interpretada de uma maneira fundamentalista, mas precisa ser levado em consideração o valor do conteúdo histórico, para que nos aproximemos dessa verdade que é o próprio Deus. Ao longo da história bíblica os profetas se levantaram para exortar os homens e a reconduzi-los ao caminho de Deus.

A interpretação da Sagrada Escritura nos leva a uma vida de unidade, tal como o desejo de Jesus “Pai que todos sejam um” (Jo 17,21). Não podemos desprezar também o testemunho dos santos, que vivendo a Palavra deram exemplo com a própria vida e estes se tornaram referência para que interpretemos bem o que nos propõe as Escrituras.

A Igreja é anunciante desta Palavra, de maneira particular na liturgia, onde no Centro está o grande Mistério Pascal, nEle estão intimamente ligados todos os mistérios de Cristo. Assim, “Palavra e Sacramento estão sempre juntos, “pois não há separação entre o que Deus diz e faz”8.

Neste sentido, a Palavra anunciada nas celebrações precisa ser ouvida e meditada, as homilias e pregações devem trazer como centro o próprio Cristo, que primeiramente ouvimos através da Palavra, em seguida trazemos para o nosso interior e por último somos convidados a vivenciar a Palavra na comunidade de maneira concreta. Desta forma, que na vida do cristão Palavra e testemunho caminhem lado-a-lado.

Valorizar a Celebração da Palavra, que é momento e lugar de encontro com o Senhor, sem é claro, confundirmos com a Celebração Eucarística, é sem dúvida uma maneira de aproximarmos a Palavra, do povo de Deus. Prezar pelo silêncio e adoração, é também uma forma que Deus fala ao seu povo. A Liturgia das Horas também fortifica a vida de oração. É necessário valorizarmos mais a Palavra, reservando um lugar de destaque para a Bíblia em nossas Igrejas e comunidades (sem retirarmos o foco do sacrário). Que em nossas casas tenhamos a Bíblia em um lugar de destaque, para que possamos rezar diariamente. Todos esses esforços são necessários e, que nos empenhemos para que a Palavra chegue as mãos de nossos irmãos.

Precisamos nos aprofundar em nosso relacionamento com a pessoa de Jesus, para isso somos convidados a criar em nossas comunidades um tipo de “serviço de animação bíblica” em que conheçamos e estudemos a fundo as Escrituras. A catequese é um lugar privilegiado para o aprendizado da Palavra, ao lado da tradição (Catecismo da Igreja Católica) que nos ajuda na compreensão da vontade de Deus. O aprofundamento nesta Palavra nos remete a busca pela santidade, pois a Palavra nos forma. Assim, os bispos, sacerdotes e ministros da Palavra são convidados por meio do testemunho a buscarem uma vida de intimidade com a a Palavra. O estudo bíblico e a oração para com a Escritura, devem estar intimamente ligados. Tal procedência nos remete a buscarmos o sentido para nossa existência “indica ao mundo de hoje que é mais importante e, no final de contas, a única coisa decisiva, existe uma razão última pelo qual vale a pena viver, isto é, Deus e seu amor imperscrutável”9.

O Evangelho precisa ser difundido no mundo, e para isso a Igreja conta com a ajuda dos leigos, através deles, por meio do matrimônio, no testemunho cristão aos filhos, essa Boa Nova vai sendo transmitida. A mulher nesse cenário ocupa um lugar privilegiado, pois esta traz em si a ternura, tão importante no anúncio da Palavra. Dessa forma, “é muito importante a leitura comunitária, porque o sujeito vivo da Sagrada Escritura é o Povo de Deus, é a Igreja […] A Escritura não pertence ao passado, porque o seu sujeito, o Povo de Deus inspirado pelo próprio Deus, é sempre o mesmo, e portanto, a Palavra está sempre viva no sujeito vivo”10.

A Lectio Divina é também um caminho para o encontro com o Cristo, que consiste na leitura da Palavra (o que diz o texto em si), a meditação (o que nos diz o texto), a oração (nossa resposta ao Senhor à Sua Palavra) e a contemplação (mudança que Deus nos pede para vida). A oração do Angelus Domini (No amanhecer, ao meio dia e ao entardecer) também é uma forma de rememorarmo-nos a encarnação do Verbo.

“O Verbo de Deus comunicou-nos a vida divina que transfigura a face da terra, fazendo novas todas as coisas (cf. Ap 21,5). A Sua Palavra envolve-nos não só como destinatário da revelação divina, mas também como seus arautos11. Nas Palavras de Bento XVI: “Ele é aquele Deus que possui um rosto humano e que nos 'amou até o fim' (Jo 13,1)”. Por isso, a Igreja é missionária, pois a Palavra deve ser anunciada para toda humanidade.

Para uma boa eficácia de uma nova evangelização é preciso o anúncio e também o testemunho como ressaltara o papa João Paulo II. “A própria Palavra nos recorda a necessidade do nosso compromisso no mundo e a nossa responsabilidade diante de Cristo, Senhor da história. Quando anunciamos o Evangelho, exortamo-nos reciprocamente a cumprir o bem e a empenharmo-nos pela justiça, pela reconciliação e pela paz”12.

“A evangelização e a difusão da Palavra de Deus devem inspirar a sua ação no mundo à procura do verdadeiro bem de todos, no respeito e promoção da dignidade de toda a pessoa”13. “Escutando com ânimo disponível a Palavra de Deus na Igreja, desperta-se “a caridade e a justiça para com todos sobretudo para os pobres”. É preciso nunca esquecer que “o amor – caritas – será sempre necessário, mesmo na sociedade mais justa […]. Quem quer desfazer-se do amor prepara-se para se desfazer do homem enquanto homem”14.

O amor a Deus e ao próximo traduzem de maneira concreta o compreendimento da Escritura. Cristo é o melhor arquétipo para formação da juventude, para o ser humano, a nos fazer deparar com o que há de mais excelso em nossa condição humana. Deus se dá todo a nós.

O anúncio da Palavra deve chegar àqueles que sofrem de enfermidade física, psíquico e espiritual. “A vida humana digna de ser vivida plenamente, mesmo quando está debilitada pelo mal”15. A exploração da natureza é uma outra questão levantada, uma arrogância a não obediência da Palavra criadora, pois a obediência promove uma ecologia autêntica.

Dessa forma, para que a Palavra produza seu efeito em nossa vida e no mundo, torna-se de suma importância que “cada cultura deve estar aberta à transcendência, em última análise, a Deus”16. A Bíblia possui uma variedade de elementos antropológicos e filosóficos que contribuíram com a humanidade. Nesta contribuição está também a Arte (arquitetura, literatura e música). Utilizar dos meios de comunicação para o anúncio dessa Palavra é também um passo importante em nosso tempo.

A aculturação se torna um meio positivo na divulgação da Palavra de Deus, pois através da tradução da Bíblia em outras línguas, esta colabora de forma significativa para todas as culturas, através dos valores contidos no Evangelho.

Portanto, a Palavra de Deus é capaz de se manifestar nas diversas culturas e línguas distintas, gerando união e comunhão entre os povos. “A Igreja reconheceu como parte essencial do anúncio da Palavra o encontro, o diálogo e a colaboração com todos os homens de boa vontade”17. Como disse Bento XVI “o anúncio da Palavra cria Comunhão e gera alegria”18. Assim, movidos por esta Palavra que criou o mundo e que move o ser humano, que possamos semear esta Palavra em todos os lugares (em nossas famílias, em nossas comunidades, em nosso trabalho, em nossas escolas), e movidos pelo Espírito que inspirou os escritores sagrados, que possamos refletir na sociedade e no próprio planeta a encarnação do Verbo, e dizer como Paulo “por isso, se alguém está em Cristo, é uma nova criatura. O mundo antigo passou, eis que aí está uma realidade nova” (II Cor 5,17).




1Verbum Domini, § 5

2Ibid., § 7

3Ibid., § 8

4Ibid., § 14 – citando São João da Cruz

5Ibid., § 30

6Ibid., § 34

7Ibid., § 38

8Ibid., § 53

9Ibid., § 83

10Ibid., § 86

11Ibid., § 91

12Ibid., § 99

13Ibid., § 100

14Ibid., § 103

15Ibid., § 106

16Ibid., § 109

17Ibid., § 117

18Ibid., § 123


Recomendo a leitura completa desta Exortação pela profundidade que esta nos apresenta.