quinta-feira, 8 de abril de 2010

O AMOR COMO PROCESSO DE REVELAÇÃO

Quando estamos e sentimo-nos livres, somos capazes de olhar o mundo de maneira encantadora, enxergar uma beleza que até então não era possível sem o advento da liberdade. O amor é essa força presente no ser humano que o faz compreender o mundo e as pessoas numa dimensão de força e ao mesmo tempo de fraqueza.

Ele nos move em direção à alma, porque amar é viver no mundo, dando significado à existência, sem permitir que nos prendamos aos excessos ou às carências, para que percorramos a vida e dela busquemos a conciliação entre os contrários. É uma força advinda da alma que é capaz de nortear a vida humana, fazendo com que ela tenha seu real valor. Desta forma, ARENDT (1997, P. 68) nos diz:

A vida feliz encontra-se, em primeiro lugar, na memória; através dela, o homem está em relação com o seu ser mais apropriado, a sua origem. Recordando um passado anterior e toda a possibilidade da experiência terrestre humana, a criatura apresenta o limite extremo do passado humano, o a partir de onde que a constitui.


Quando o amor ocupa o foco de atenção do ser humano, ele é capaz de dar nova roupagem à existência, porque uma vez que somos despertos do sono letárgico que nos prendia aos objetos e estes nos tornava escravos de sua materialidade, somos capazes de encontrar o verdadeiro sentido que realmente buscamos, a essencialidade, que consiste em transcender a materialidade, porque esta apenas nos aprisiona o sentido, enquanto aquela, a busca pela alma, nos permite sermos livres para viver esta dimensão dela, que é o amor.

Quando ele se faz presente na vida humana, por meio deste sentido de liberdade proporcionado pela alma, não enxergamos mais apenas a materialidade, mas somos capazes de ver o sentido que a matéria representa em nossa vida, tornando-se significativo para nós as pessoas e os objetos que fazem parte de nossa história, porque até então, antes que o amor tivesse ocorrido, o que tínhamos era apenas o possuir. Uma vez conduzidos pela sua dimensão libertadora, somos capazes de humanizar o mundo, e assim lhe darmos novo significado e transformação. ARENDT (1997, p.41), de maneira clara, nos traz o sentido do amor:

O próprio amor é apenas uma conseqüência desta determinação. O grau do amor (dilectio) caminha lado a lado com a determinação daquilo que é preciso amar. Está conforme à ordem que atribui a cada um o seu lugar. Cada um tem apenas o amor que lhe pertence, nem mais nem menos. O amor (dilectio) a si e ao próximo só é orientado por um objectivo – o amor (amor) deseja uma coisa por amor a ela, por isso é dependente dela -, mas o amor aqui não é mais que a atitude objectiva predestinada ao homem que, sempre aí no mundo, vive no futuro absoluto.


O amor tem a dimensão de mover-nos à sua finalidade que é amar. É capaz de ordenar o mundo, fazer com que o ser humano seja livre, seja capaz de ser. Quando se ama, não somos influenciados por pessoas ou objetos que nos façam amar o outro, mas o amor é uma força que surge da alma, livre e independente de toda exterioridade, que nos alimenta na medida certa e alimenta o mundo, dando sentido à vida.

Quando o amor é despertado no ser humano e na humanidade, tudo fica menos imperfeito, porque ele ordena, retira os excessos e vai equilibrando tudo o que abrange, faz com que os sentidos, a razão e toda a dimensão espiritual estejam unidas num único fim: de fazer o que a alma deseja, de querer bem a todos, de desejar a vida feliz.

Ele assume a forma mais digna de sermos humanos, de sermos de fato quem somos, que nos faz desprendermos de tudo que até então nos aprisionava tanto exteriormente como interiormente. Não se preocupa em ter ou possuir, mas se preocupa em colocar cada coisa em seu devido lugar e assim permite que sejamos colocados na rota pela alma. É tão nobre que não quer que mendiguemos por aquilo que se perde na efemeridade, mas nos faz tomar consciência do que somos; tem apenas esta pretensão: de nos mover e dar sentido à nossa história. “Não posso medir, não posso saber o que falta a meu amor para que seja suficiente para que minha vida corra para teus braços” (AGOSTINHO, 2007, p.318).

O amor tem o poder de nos refazer, de mudar o rumo de nossa jornada, de nos recolocar no verdadeiro sentido de viver. Quando se ama, o amor por si próprio tem o poder de nos preencher, de nos fazer buscá-lo e nada mais. Somente ele tem a força de nos desprender daquilo que realmente nos aprisiona, de dar significado àquilo que até então não possuía.

Significativa é essa força do amor; sem ela a vida humana seria insossa, mas permitindo que esse amor adentre os sentidos e mundo, este então é capaz de devolver sentido ao ser, permitindo que este continue sua trajetória rumo à vida feliz que tanto se almeja.


REFERÊNCIAS


ARENDT, HANNAH. O conceito do amor em Santo Agostinho. Tradução: Alberto Pereira Dinis. Lisboa: Instituto Piaget, 1997. 189 p.

AGOSTINHO, Santo. Confissões. Tradução: Alex Marins. São Paulo: Editora Martin Claret, 2007. 432 p.












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